terça-feira, 8 de abril de 2008

Textos

FISOLOFIA DENTRO DA O.C.A.


Esta reflexão partiu das questões abordadas na Oficina de Composição Agora, do dia 30/03/2008 e que destaca entre as provocações deste encontro as seguintes:

1- Quais estratégias para se conseguir o novo;
2- Gostamos mais do que entendemos?
3- A co-incidência[1] de tradição, educação e composição.

Por se tratar da mais pura fisolofia só posso me safar com um “vais desculpando qualquer coisa”, dito de antemão.

Até mesmo para se conseguir o novo há uma recorrência do já conhecido, podemos, por exemplo, na relação com as ilustres noções de ritmo, nota, harmonia ter uma negação tão absoluta que se faça o novo? Uma estrutura nova pode ser chamada estrutura se não abrigar alguma referência conhecida? Ser novo em nossos tempos parece uma dura batalha reflexiva. Mas há como surpreender o ouvinte com caminhos diversos.

Assim se tomarmos a tradição musical seja ela erudita ou popular, com a qual estamos educados e nos reeducarmos para produzir com ela e a partir delas poderemos nos aproximar de um estágio em que compor será uma surpresa a nossos próprios sentidos. Talvez no meu excesso de otimismo fique feliz com qualidades musicais razoáveis, mas sempre que presencio uma execução que dentro de nossa perspectiva, na Oficina, está ao mesmo tempo passando pelo processo de tocar/compor, sinto considerável satisfação com o estável e o instável que é compor tocando.

Quando se trata de tradição temos ainda o fato de ela nos chegar à emoção, à memória, e dentro dela a questão do gosto e do entendimento são aproximados, e podemos tomar como entendimento uma série de qualidades, tais como lembrar a melodia ou saber de escritura musical ou recordar fatos associados a música, ou seja, entender com o ouvido além do laborioso trabalho mental.

Captar o som e processá-lo envolve nosso arcabouço ético e estético. Será que ao ouvir, nossa postura é mais de fruição ou confluência com o som? Como estamos educados neste ato é uma questão que me parece razoável neste sentido.

Em conclusão ressalto o quanto tem sido importante a música ser repensada por esta ótica do compor, e notar quantas situações ela abarca. Em minha experiência eu acredito que compor é um caminho para se conhecer a própria música. Ressaltando o que foi ampliado numa breve conversa com Paulo: é o conhecer não só aquela música que se esta a compor, mas a música como arte que é.

Acho que exagerei na dose.

Maria de Souza

[1] A palavra por mim usada refere-se aos três elementos fora de uma ocorrência casual e revela o caráter aglutinador que há entre eles.
Gostar e entender

Tudo é muito bonito: Silvano Sales, Calypso e Jorge Benjor; Marlos Nobre, Bonde do Forró e Tom Jobim; Caetano, Paulo Lima e Parangolé; Ilê Fun-fun, Chico Buarque (R$ 180,00!) e Viola de Doze; Legião, Nelson Gonçalves e Povos Timbira; Nação Zumbi, Antônio Nóbrega e Engenheiros; Bonde do Tigrão, Raul Gil e Gil. Mas o fato é que nos perguntamos muito pouco sobre música. Somos dirigidos pelo romantismo que isenta a música de raciocínio através da sua subjetividade. Associamos sons organizados simplesmente às nossas mais puras e tenras emoções, seja lembrando de alguém ou alguma situação, seja expressando os mais profundos inexpressáveis da alma, seja amando a Xuxa ou chorando num show de Zezé de Camargo e Luciano, relaxando ao som de Mozart ou entrando em estado depressivo com Mahler. Aqui, uma idéia nos basta...

Ernst Widmer, um importante compositor suíço, naturalizado baiano, professor da Escola de Música da UFBA até o seu falecimento, no início de 90, tratava de maneira peculiar o ato da criação musical: compor música e educar configura uma redundância. Para Widmer, o compositor, pelo próprio ato de inventar música, é um educador. Primeiro, ensina a si mesmo (o artista cria a obra e esta cria o artista, numa lambada poética); depois à entidade artística que é a obra e à prática musical de uma época; e, finalmente, ao consumidor da obra, para usar termos contemporâneos e sem apegos emocionais (mecenato = indústria cultural?). Considerar essa redundância como uma possibilidade, desperta tópicos latentes nas nossas cabeças, que fundamentariam uma palestra diária de nós para nós mesmos, ouvindo Patchanka ou György Ligeti: a) a importância do compositor (todo mundo conhece o vocalista da banda... mas “quem fez a música mesmo?”); b) a real importância da música e da educação musical para a sociedade – e para as transformações do indivíduo e do todo; e c) o que é mesmo o gosto musical? Esses são três de tantos outros que podem nos acometer. Mas, dentre tantos, de especial interesse para o compositor desse texto, nesse texto, vamos, brevemente, ao tópico ‘c’.

O que acontece quando se gosta de uma música qualquer? Se pensarmos a composição como um ato educacional, encaramos, naturalmente, a apreciação musical como um ato de aprendizado. E essa mudança de postura frente à audição de música nos abre novas possibilidades, dá um maior significado às emoções que consideramos inerentes à arte musical e, principalmente, nos leva ao poli-estilismo e ao ecletismo real e bem vindo (não aquele tão conhecido ecletismo sem-vergonha), pois acaba com a prisão banal que é o gosto-por-gostar – o que acaba desembocando numa monocultura musical, fatalmente ditada pela mídia de massa – e, efetivamente, quebra os preconceitos, afinal, toda música, desde os cantos de candomblé até os atabaques da música clássica-moderna – e Baiana - de Lindembergue Cardoso, tem algo para ensinar; basta, da nossa parte, querer aprender. E não falo de texto, poesia... falo da subjetividade dos sons. Isso explicaria, por exemplo, a relação, muitas vezes verdadeira, ‘insistência x gosto’ e a preocupação, por todas as vias, em todos os estilos e em todas as épocas, na construção de coerência do discurso sonoro-musical, por parte de compositores e intérpretes – vide Brahms, Tom Jobim e Parangolé.

Pensar sobre música não é retornar aos extremos vanguardistas da década de 60, mas reforçar as confusões e os paradoxos essenciais à música e seus significados emocionais individuais e coletivos, outrora tratados, quase que pejorativamente, como romantismos: precisamos tornar cada vez melhor o que nos faz bem, seja a criação de música, a sua audição ou os hábitos musicais da sociedade ou mesmo do seu condomínio (Porra! Deixem-me, em paz, estudar a minha trompa!). E música nos faz...


(mande seu texto, Maria; mandem seus textos, todos!)

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